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O conceito de um mundo clássico de D&D

erewarConsidere este artigo uma prévia da nova série de artigos sobre construção de mundos que irão vir em breve. Hoje vamos falar um pouco sobre mundos de D&D segundo o estilo clássico de criação de campanhas.

Mas para que exatamente um “mundo clássico” serve? Em muitos jogos, geralmente um mundo é criado para cada campanha. Eu gosto de chamá-los de “mundos descartáveis”: Você cria, joga e descarta. Este artigo visa comentar a respeito de vários fatores que juntos formam um mundo que pode ser utilizado várias vezes ao longo de diversas campanhas diferentes, e como resultado criar algo que tenha história real, afetada por dezenas, se não centenas de jogadores ao longo dos anos.

Em campanhas old-school, o mundo é criado conforme os jogadores forem explorando. Começando normalmente com uma cidade e as regiões ao redor, e conforme a campanha for evoluindo, novos locais e novos conceitos são adicionados. Isso contrasta com o estilo de criação de campanha onde o mundo inteiro é criado antes, e a campanha ocorre dentro dos confins e do tema desse mundo específico. O objetivo de um mundo clássico é ter um mundo versátil que permita com que vários conceitos existam em um único lugar, porém ainda possibilitando que pelo menos uma parte do mundo e de sua história sejam criadas antes da campanha começar. Para isso, precisamos eliminar limitações.

Tema

Esta é a primeira coisa a ir para o lixo. Nosso mundo não terá nenhum “tema” que englobe o planeta inteiro. Muitos mestres se animam ao criar mundos de alto conceito com um tema específico. “Um mundo sem Sol”, “Um mundo onde X raças não existem” e “Um mundo onde só existe deserto” são exemplos de mundos temáticos. Por que isso tem que ir embora? Porque sinceramente, você vai se cansar desse tema eventualmente e o mundo irá ser arquivado. Eles são bons para campanhas curtas que tem um início e um fim, porém não encaixa no nosso conceito de um mundo que evolui ao longo do tempo.

Essencialmente, aplicar um tema ao mundo limita o que você pode fazer com ele. O objetivo desse exercício é, novamente, eliminar tudo que limita o seu mundo.

Panteão

O seu panteão também é uma parte importante em determinar o quão limitado o seu mundo será. Quando eu criei o meu primeiro mundo sério de D&D, eu criei um mito de criação inteiro, um panteão com hierarquia e uma história escrita em pedra. Isso foi um grande erro, porque eu planejava tornar esse mundo o mundo em que eu iria realizar quase todas as minhas campanhas futuras.

O problema desse panteão é que ele limita a minha criação de sociedades cuja religião não se encaixe no panteão. Religião é uma grande parte de D&D porque normalmente os deuses são ativos no mundo (e um mundo clássico requer que eles sejam ativos no mundo), e como tal, eles se comunicam com seus seguidores e fornecem poder para clérigos e paladinos. Sociedades com religiões exóticas se tornaram impossíveis porque o panteão simplesmente não suportava a existência de seus deuses.

A Wizards acertou ao criar seus panteões. Eles são abertos, amplamente sem hierarquia, e baseados em domínios, que podem ser compartilhados por vários deuses. Ter um panteão aberto significa que você sempre pode adicionar deuses quando uma religião requer ele.

Mapa

Outra parte importante é o mapa do mundo. Nesse ponto, eu cometi um erro uma vez, e quase duas vezes. No mesmo mundo que eu mencionei no ponto sobre Panteões, eu também criei um mapa-múndi completo, onde todas as regiões estão mapeadas e o mapa fecha um globo. Eu quase cometi esse erro novamente com o meu novo mundo.

O problema em criar um mapa completo é que, novamente, ele limita suas possibilidades. O que você vai fazer se um dia você simplesmente já tiver realizado campanhas em todos os lugares do mundo? Ser obrigado a reutilizar antigos lugares não é a coisa mais divertida. Eu quase cometi esse erro novamente com o novo mundo que eu estou criando, porém corrigi adicionando um novo continente que se estende além do mapa, chamado apenas de “Terras Inalcançáveis”. Isso adiciona possibilidade e mistério. Tudo que eu não adicionar na parte mapeada do mundo pode existir nessa outra misteriosa parte.

Use regiões, não o mundo

Hitler tomou parte da Europa, não o mundo. O desastre de Chernobyl afetou aquela região, não o mundo. Voldemort era uma ameaça na Inglaterra, não no mundo. Muita coisa pode acontecer em escala menor. Se você absolutamente precisa utilizar um alto conceito, considere a possibilidade de restringir isso à uma determinada região. Na vida real, eventos verdadeiramente globais são estupidamente raros, o mundo é simplesmente grande demais. Essa deve ser uma filosofia adotada nesse nosso processo. O mundo é grande, coisas acontecem em menor escala.

Conclusão

Nesse ponto você já deve ter sacado o “segredo” para criar um mundo verdadeiramente adaptável e versátil: Se livre de coisas que artificialmente limitam o mundo. Altos conceitos são legais, mas eles também têm vida curta porque sim, você vai ficar de saco cheio de rodar campanhas em um mundo desértico. Se você quer criar um mundo persistente que será afetado por muitas gerações de jogadores, se você quer, daqui a 25 anos, olhar para as montanhas de anotações, desenhos e mapas de um mundo gigantesco e cheio de história, você precisa se livrar das limitações e permitir que o seu mundo aceite vários conceitos.

Apesar disso, não podemos nos esquecer de algo muito importante: Lógica interna. O seu mundo precisa ser internamente consistente, portanto regras que afetam uma pessoa precisam afetar outra no outro lado do mundo, a menos que você tenha uma razão muito boa. Se em um lado do mundo apenas 1% das pessoas é capaz de utilizar magia, enquanto em outro quase todos usam magia desde bebês e vivem em cidades flutuantes com servos robóticos, isso precisa ser explicado. Um mundo clássico não é um convite para uma suruba de conceitos conflitantes, mas sim um mundo que permite que você implemente diversos conceitos que podem funcionar como um todo. Este é o grande desafio em criar um mundo clássico.

1 comentário em “O conceito de um mundo clássico de D&D”

  1. A criação de regiões também possibilita um nível de detalhamento maior. Os jogadores vão se sentir parte daquela região (ainda mais se você ajudar eles com o background). Eles vão falar de NPCs antigos como se fossem familiares, vão reagir ao ambiente em que se encontram como se já estivessem passado por lá mais de dez vezes (às vezes passam mesmo), vão decorar tudo e às vezes saber mais do local que o mestre haha
    Eu quase sempre uso desse artifício quando vou criar uma parte de um mundo pra narrar (ou até reduzir um mundo pronto – Cormyr – pra narrar alguma parte menor dele). E é extremamente gratificante ver seus jogadores sabendo o nome de tudo, sabendo os detalhes, tendo as sensações que você quis passar para eles.
    Uma coisa que dá pra ser feita é juntar os dois conceitos (mundo diferente + mundo comum). Por exemplo, narrei uma campanha num pedaço de mundo criado por mim onde tudo era próspero e normal, mas uma maldição atingiu uma cidade portuária importante. Tal cidade (Søkjörn) foi tomada por neblina e escuridão, passando um sentimento único aos meus jogadores; entretanto, só quando estavam lá dentro era assim. A partir dos limites mais externos da cidade, a neblina acabava e o mundo era normal. Isso permite que eu faça algo diferente naquela microrregião e ainda possa usar o mundo mais pra frente em outras campanhas.
    Muito bom o post, vou enviar para amigos que aspiram mestrar e outros que já o fazem!

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